Em convite especial, Carlos Longo, Vice-presidente da ABED (Associação Brasileira de Educação) escreve sobre as previsões para o cenário da educação após a crise do COVID-19

Mantenedores, gestores operacionais e acadêmicos de instituições de ensino superior estão trabalhando diuturnamente para enfrentar a crise do COVID-19. Docentes e discentes empenham, ao máximo, suas habilidades para utilizar os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), somados às ferramentas de vídeo e voz, para prover cerca de 70% dos planos de ensino, nesse período de isolamento social.

Mas afinal, como as instituições de ensino estão se saindo?

Nesse contexto, acreditamos que a resposta das IES tem sido a melhor possível. Não há como esquecer que, hoje, sabe-se que uma parte dos gestores e educadores no Brasil, resistem e não convivem bem com as tecnologias de informação e comunicação digitais (TICs). Muitas vezes veem essas TICs até como um mal necessário, dado que, na sociedade moderna, jovens e adultos vivem conectados. Além disso, um grupo relevante de pesquisadores da área da educação, de forma geral, demostra grande resistência ao uso de tecnologia na educação, principalmente, quando se trata de educação a distância.

previsões para o futuro pós coronavirus

No âmbito da EAD, subjaz ainda a forte impressão de que o uso de TICs minimiza a relevância do papel do professor no processo de ensino e aprendizagem. Tal visão não valoriza estudos e pesquisas realizados no mundo todo, os quais evidenciam que o uso das TICs na educação, embora centrado no estudante, aumenta a qualidade do aprendizado e tem no professor seu diferencial. Esses estudos apontam ainda resultados promissores quanto ao uso de tecnologia articulado a atividades presenciais, envolvendo a interação entre estudantes e destes com professores e tutores.

Não podemos ignorar também que o uso de tecnologia no EAD favorece o desenvolvimento, de forma autônoma, de competências – autodidatismo, disciplina, iniciativa, criatividade, interação, cooperação, entre outras – que são pré-requisitos da arquitetura de uma sociedade compatível com os desafios do século XXI. Desenvolver de forma autônoma competências significa “aprender a aprender”, hoje, palavras de ordem para estudantes, professores e pesquisadores no enfrentamento do COVID19, palavras que, sem dúvida, reforçam a necessidade do hibridismo na vida e na educação.

Em tempos de COVID19, com a tentativa das IES de ofertar seus currículos via EAD algumas lições estão sendo aprendidas:

  • Um número significativo de professores não está capacitado a usar adequadamente as ferramentas digitais do AVA. É necessário treiná-los.
  • Os professores, por não conhecerem a tutoria como uma nova função docente, não sabem atuar como seu coach. É necessário reconhecê-la.
  • Os objetivos de aprendizagem estão focados na apreensão de conhecimentos, nunca no desenvolvimento de competências. É necessário reformulá-los.
  • O uso das tecnologias digitais desmascara a defasagem de metodologias, planos e processos de ensino. É necessário atualizá-los.
  • Os materiais didáticos resumem-se a textos digitais e a vídeos produzidos em smartphones, ignorando a riqueza dos recursos multimidiáticos. É necessário utilizá-los.
  • As exposições teóricas e a apresentação de exercícios são priorizadas, em lugar da realização de dinâmicas de aprendizado que exploram a autonomia dos discentes. É necessário adotá-las.
  • A interação entre pares, em atividades síncronas, não é explorada como estratégia de aprendizagem. É necessário considerá-la.
  • A avaliação da aprendizagem tem se resumido a verificação de aquisição de conhecimentos, ignorando o valor das autoavaliações. É necessário reformatá-la.

No enfrentamento do COVID19, as lições aprendidas, com a transformação pelas IES de cursos presenciais em educação a distância, evidenciam a necessidade de mantenedores e gestores reverem suas estratégias, planejamentos e práticas. Tal quadro se sobressai mais ainda com a flexibilização da regulação da educação a distância – Portaria 2.177 de dezembro de 2019 do MEC – a qual possibilita que até 40% do currículo de cursos presenciais sejam ofertados como EAD, exceto medicina.

Nesse contexto, instituições de ensino superior de grande porte estão optando por reusar nos cursos presenciais conteúdos e recursos criados para seus programas de EAD, acrescentando-lhes eventuais encontros via vídeo online. Soluções lógicas para grandes IES com grande acervo de EAD. No entanto, para IES regionais, cujo corpo discente oscila entre 1000 e 10 mil estudantes, tal solução – embora pareça mais fácil – é um erro estratégico para sua sobrevivência no médio prazo.

Sem dúvida, as IES regionais precisam buscar estratégias de fortalecimento, de sustentabilidade e crescimento por meio da diferenciação local. Ao invés de simplesmente seguir a manada, elas têm de pensar fora da caixa para construir diferenciais para agregar valor a seus serviços educacionais.

Aqui, algumas alternativas, entrem várias, podem ser propostas:

  • Substituição de aulas presenciais tradicionais por atividades de experimentação;
  • Estabelecimento de convênios para realização de projetos com o arranjo produtivo regional;
  • Desenho de matrizes curriculares transversais, com certificações intermediarias e formação aplicada às práticas profissionais.

Ou seja, a chave para o crescimento sustentável de longo prazo das IES regionais está em soluções estratégicas inovadoras, com diferenciação local, baseada em arquitetura ímpar e de qualidade no uso de TICs nos serviços educacionais, assim como no aproveitamento do espaço presencial para a experimentação e atividades práticas.

Para as IES regionais, o planejamento da virada começa agora.

Faz-se necessário buscar parceiros estratégicos para reduzir investimentos e somar esforços no desenvolvimento de conteúdos, no fornecimento do AVA e de softwares de gestão acadêmica, no redesenho das matrizes curriculares e das atividades acadêmicas, na capacitação de professores e tutores.

Por fim, conta a lenda que Aristóteles Onassis, empreendedor da marinha mercante e magnata grego, ao ser perguntado, em seu barco, por um jornalista americano, sobre como ele tinha feito fortuna no pós-guerra, apontou o horizonte do oceano, pleno e vazio, e perguntou ao jornalista se ele via alguma coisa. O jornalista respondeu que não. Onassis riu e disse: eu vejo.

Planejar o futuro e antecipar as ações para crescer na adversidade é a diferença dos que serão vencedores. Em nosso caso, o futuro circunscreve-se à educação superior no Brasil. Logo, não podemos apagar as lições aprendidas com o uso das TICs e da EAD no enfrentamento da crise do COVID19 pelas IES. Trata-se de uma grande oportunidade de diferenciação das IES com marca regional reconhecida.

Carlos Longo é vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Profissional com mais de 25 anos de experiência como consultor, Diretor Executivo e Reitoria de Instituições de Ensino Superior no Brasil e América Latina. Desenvolvimento de novos negócios e processos de crescimento em IES nacionais e internacionais; Gerenciamento de recursos e serviços de TICs para projetos de EAD, Ensino Híbrido e Presencial. Trabalhou como Dirigente na FGV Online, Ibmec, HSM, Laureate e Universidade Positivo. Representa no Brasil a GENIUS SIS BRASIL é Sócio Fundador da SABRE Inovação e Consultoria Educacional.

Marcelo Lima
por Marcelo Lima
Marcelo Lima trabalha para colocar estudantes na sala de aula há mais de 20 anos, como profissional de marketing educacional já trabalhou com mais 250 faculdades. É um dos pioneiros do EAD no Brasil e busca sempre os melhores conteúdos em forma de cases e novas ferramentas para os canais da Quero Educação.