Coronavírus: quais as projeções para a educação brasileira após a nuvem cinzenta?
Veja a análise de Aline Afonso Silva da Rocha, advogada e leitora convidada do blog, sobre o futuro da educação brasileira após a pandemia do novo coronavírus
A pandemia do Coronavírus afastou das salas de aula mais de 1,5 bilhão de alunos, em mais de 165 países, de acordo com a UNESCO, tornando-se uma premente necessidade o lançamento de uma coalizão global para mitigar os impactos na educação durante o período do isolamento social através do uso de tecnologias digitais.
Neste sentido, é crível que mudanças ocorrerão após o término do isolamento social, tendo em vista que as estruturas metodológicas tradicionais (aulas presenciais expositivas, relação professor/ aluno, ingerência dos pais na educação formal dos filhos) foram abaladas e precisaram ser revistas e adaptadas à realidade
de uma quarentena.
A retomada do setor educacional no mundo
Após o controle pandêmico na Dinamarca e em Israel, as escolas retomaram as aulas presenciais do ensino fundamental com protocolos rígidos de higiene, como o uso de máscaras e distanciamento social nas dependências da instituição, mantendo o ensino médio na modalidade online.
Já na China, as aulas presenciais foram gradualmente retomadas para os alunos do ensino médio, tendo em vista que estes prestarão o vestibular gaokao neste ano, em Pequim, Xangai e em cidades menos povoadas, inclusive em Wuhan, local onde foram registrados os primeiros casos de contaminação, porém com medidas de segurança rigorosas contra o contágio, tendo os alunos que passar por uma tenda de desinfecção na entrada das escolas e usar pulseiras eletrônicas que medem a temperatura corporal.
Os alunos chineses do ensino básico, fundamental e superior continuam se valendo das aulas online fornecidas pelas plataformas das empresas Huawei, Baidu e Alibaba que, desde o início da pandemia, alcançaram mais de 240 milhões de estudantes no país.
Os aprendizados que a pandemia proporcionou para a educação
A razão para a China despontar no fornecimento de aulas remotas em grande escala, em relação aos outros países, incluindo às grandes potências econômicas mundiais, é que o país, antes da pandemia, já investia pesado em soluções digitais para educação, como Edtechs que utilizam de inteligência artificial para auxiliar nos processos de aprendizagem, enquanto o modelo ainda encontra ampla resistência pelo mundo, inclusive nos Estados Unidos, país que adquiriu experiência com educação emergencial de massa por conta do furacão Katrina, em 2005.
A pandemia forçou os professores a reverem sua didática, as instituições de ensino a investirem em licenças de uso de plataformas online e em outras tecnologias, os alunos a terem mais disciplina para assistir às aulas online, os pais a estarem mais presentes na educação formal dos filhos, antecipando uma realidade que crescia timidamente, qual seja, da Educação 4.0.
Desta forma, muitos especialistas interpretam a pandemia como um “antecipador de futuros” projetando a expansão do ensino híbrido, como Mitchell Stevens, professor da Universidade Stanford, que aduziu que, depois da pandemia, a educação digital irá avançar rapidamente e o presidente do Conselho de Administração do Grupo Ânima que afirmou que o novo cenário irá acabar com a resistência às aulas remotas.
E no Brasil, quais são as projeções para a educação?
No Brasil, em que pese o ensino híbrido já fosse realidade antes da pandemia em algumas instituições privadas, como no Grupo Ânima e no SENAC RN, que já utilizava tecnologias como realidade virtual e câmeras 360, a desigualdade social é manifesta, fazendo com que muitos alunos de escolas públicas estejam impossibilitados de assistir às aulas remotas disponibilizadas em razão das
parcerias realizadas pelo governo estadual e municipal, por ausência de acesso à computadores e à internet, falta de espaço em casa e baixa escolaridade dos pais ou responsáveis, ensejando no adiamento do ENEM, deste ano, por 30 a 60 dias, após grande pressão da sociedade civil.
Para o ensino híbrido ser amplamente difundido no Brasil pós-pandemia, inclusive nas escolas públicas, será preciso que tais pontos sejam levados em consideração, pois, do contrário, só servirá para aumentar a evasão escolar, além da sobrecarga de trabalho dos docentes que não estão familiarizados com o modelo.
Mesmo a retomada das aulas presenciais pela rede pública não será simples, uma vez que muitas destas escolas não possuem espaço físico disponível e acesso a saneamento básico.
Grande parte da rede particular de ensino precisou realizar fortes investimentos para adquirir licença de uso de softwares e instalação de equipamentos tecnológicos para garantir aulas remotas durante a pandemia o que possivelmente será aproveitado posteriormente.
Mesmo fornecendo aulas remotas e concedendo descontos nas mensalidades por imposição legal ou não, muitas instituições privadas já estão experienciando o fantasma da inadimplência, que de acordo com pesquisa realizada pelo Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe-DF), aumentou 85,6%, em escolas no Distrito Federal. Em São Paulo, a inadimplência aumentou 70% no ensino superior, de acordo com o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior – Semesp.
Outro imbróglio vivido pela rede privada está no aumento do pedido de cancelamento de matrículas, em decorrência de migração para escolas públicas que, no Paraná, a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte já registrou 30.000 alunos nesta situação, enquanto o Sinepe – DF aponta para 88,8%,
no Distrito Federal.
Desta forma, indaga-se, como as redes de ensino particular podem difundir o ensino híbrido, se estão sofrendo grave desfalque financeiro em seu orçamento e talvez não tenham condições de pagar seus funcionários, aluguéis e contas para não fechar as portas? A solução para tal celeuma talvez esteja no diálogo entre estabelecimentos de ensino e pais ou responsáveis com oferecimento de descontos e parcelamentos.
É notório que a pandemia trouxe a necessidade de resiliência, mesmo após o seu término, apenas os estabelecimentos de ensino e professores que forem capazes de se adaptar à nova realidade metodológica com a presença da tecnologia, econômica e social conseguirão se manter produtivos nesta nova realidade que já está tendo os seus contornos desenhados.
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