Entrevista: a professora e pesquisadora ganhou notoriedade por sua história de superação, mas ganhou os holofotes na última semana por um diploma falso de pós-doutorado em Harvard

Na última semana, uma reportagem do Estadão revelou que o diploma de pós-doutorado da Universidade de Harvard da professora Joana D’Arc Félix de Souza era falso. A notícia foi divulgada após a confirmação pela Globo Filmes do início da produção de um filme que contaria a sua história.

Apesar da polêmica e de sua reputação ser questionada, a professora doutora desenvolve diversas pesquisas, junto aos seus alunos, na escola técnica (Fatec) de Franca-SP.

Desde 1999 a professora leciona na escola e coordena projetos sustentáveis, pautados no reaproveitamento de resíduos da indústria coureiro calçadista da região. Tais projetos já deram origem a, aproximadamente, 17 patentes e diversos prêmios.

Na última sexta-feira, 17, durante o evento de Educação Bett Educar, o blog conversou com a pesquisadora sobre os fatos que tomaram a mídia e, também, acerca de sua percepção sobre a pesquisa brasileira, corte no financiamento e alternativas.

Joana D´arc Felix de Souza segurando o microfone em palestra
Professora Joana D´arc Felix em palestra no evento Bett Educar (Foto: Quero Alunos)

O que aconteceu em relação a história do diploma de Harvard? Ele é falso?

No segundo semestre de 2017, um jornalista do estadão veio à Franca (cidade onde Joana atua como professora em curso técnico – Fatec) para falar com os alunos sobre os diversos projetos de pesquisa que a gente desenvolve. Depois esse jornalista voltou e pediu a lista de premiações, fotos, e foi mandado junto esse certificado.

Eu já participei de peças de profissões, em que a gente encena com diversos diplomas – só que tudo montado – e esse diploma foi junto. Entrei em contato, em seguida, falando que aquele certificado não era verdadeiro, mas não tive mais contato com o jornalista.

Agora, em 2019, apareceu a jornalista do Estadão, que disse que o diploma era falso e eu confirmei.

A senhora, na palestra, pediu desculpas falando que jamais buscou notoriedade por vaidade pessoal, mas por que o pedido de desculpas?

Errei em montar um diploma de mentira. Conversei com um professor à distância. Meu erro foi ter colocado o diploma, mas tenho um trabalho realizado com orientação à distância. Meu advogado me orientou a deixar no Currículo Lattes.

Joana D´arc Felix de Sousa pede desculpas por slide segurando o microfone em palestra
Na abertura e no encerramento da palestra a professora pediu desculpas pelo ocorrido (Foto: Quero Alunos)

A senhora fez o pós-doutorado?

Não cheguei a ser uma aluna efetiva, então, digamos que não fiz, se essa orientação à distância não é válida.

Com os recentes cortes promovidos pelo governo federal para o financiamento de pesquisas, o que podemos perder?

Vamos perder cérebros, cabeças, porque muita gente não vai ficar passando fome aqui no Brasil. Vai procurar um lugar onde vai ter condições de trabalho. Isso vai ser uma das causas de pesquisadores irem embora do nosso país. Um país não se desenvolve sem a pesquisa.

Existe um abismo entre a universidade e a sociedade que, muitas vezes, não sabe o que é feito dentro da universidade. Vi muita gente falando assim: bem feito que esses cortes estão sendo feitos. Então falta esse conhecimento sobre: você sabia que o medicamento que você toma vem da universidade? Assim a população entende e luta junto.

E como podemos tentar contornar essa situação para que as pesquisas não fiquem paralisadas?

A gente deveria nos inspirar no que acontece lá fora. Tanto nos estados unidos como na Europa é bem comum as parcerias entre as universidades e instituições do setor privado.  Então, é o momento das universidades começarem a olhar para isso. É claro que não vamos deixar a vantagem ficar só para o lado da empresa. É preciso saber negociar.

Desde fevereiro do ano passado, algumas empresas oferecem bolsas de iniciação científica, financiando alguns projetos sob minha responsabilidade. Isso facilitou muito a nossa vida, principalmente nesse ano, com esses cortes. Tanto é que, hoje, estou com 20 alunos, sendo que antes eu trabalhava com 5 ou 6. Então, acho que a saída é, de fato, fazer as parcerias com o setor privado.

Mesmo fazendo parte da iniciativa pública, como pesquisadora a senhora acredita que é viável para as universidades particulares investir na pesquisa?

São poucas instituições privadas que pesquisam, mas é possível que o mantenedor invista na pesquisa, afinal, isso pode gerar lucro para a instituição que vai, de repente, conseguir uma patente. Isso que traz consequências positivas para todos os que participam, inclusive para a instituição. Então acho que os mantenedores deveriam abrir a cabeça para pensar por esse lado também. Acho que é viável a pesquisa dentro das instituições privadas.

Quando os jovens devem ser iniciados na pesquisa?

É preciso estimular a criança desde cedo. O tradicional é a pesquisa ser iniciada na graduação, mas o ideal é que seja antes, desde o fundamental. Com motivação, essa criança não sai da escola. Temos que estimular esse aluno para que ele não faça parte das estatísticas da evasão escolar.

Você foi muito longe com seus projetos de pesquisa, mesmo com poucos recursos. Como um professor pode se espelhar na senhora e fazer muito com pouco?

Ele pode começar a olhar no entorno da escola dele, da cidade, da região. No meu caso, trabalhamos com um problema da nossa cidade que é bem sério: a quantidade de resíduos gerados pelo setor coureiro calçadista. De repente, existe um problema alí no bairro do professor que pode ser trabalhado e gerar discussão dentro da sala de aula também.

O professor chega apressado, sai apressado enche a lousa e o aluno se pergunta: onde vou usar isso? O professor tem que trazer questões, perguntar às crianças que problemas eles encontram no caminho da casa para a escola, porque isso vai gerar discussão, opiniões. Depois de filtrar é possível criar pesquisas para resolver problemas palpáveis.

 

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Marcelo Lima
por Marcelo Lima
Marcelo Lima trabalha para colocar estudantes na sala de aula há mais de 20 anos, como profissional de marketing educacional já trabalhou com mais 250 faculdades. É um dos pioneiros do EAD no Brasil e busca sempre os melhores conteúdos em forma de cases e novas ferramentas para os canais da Quero Educação.